Em ofado.com Yolanda Soares: Royal Fado
- 16 dezembro 2016
- | In: Carlos Norton in http://www.ofado.pt/?p=5008
Quem conhece Yolanda Soares? Ninguém. Nem ela própria, provavelmente. Porque não existe uma Yolanda, existem várias, que se sucedem, sobrepõem, complementam-se, intercalam-se.
A Yolanda que conhecemos nasceu no “Fado em Concerto”, mas isso é na carreira discográfica, que representa apenas uma parcela da parte artística que desenvolve. Esse “Fado em Concerto” foi uma lufada fresca no fado nacional, com formas muito belas de associar o canto lírico das suas origens. Depois veio o “Metamorphosis” com a pergunta se seria a mesma Yolanda, ou apenas um homónimo. Só pelo timbre de voz (e mesmo assim) alguém poderia garantir tratar-se da mesma artista. Agora chega o terceiro trabalho e a prova que a mutação em Yolanda é constante. Yolanda Soares explora música, mas mais que isso explora conceitos e o resultado é sempre único. Cada trabalho tem uma razão de ser, um conceito, uma estratégia artística, não são meras compilações de faixas. Neste “Royal Fado”, Yolanda Soares inspirou-se na fase da carreira de Amália Rodrigues onde a inovação rebentou. Partindo desse momento, desse testemunho, criou um álbum de aventuras sonoras, de viagens cantadas.
Basta começar a ouvir o CD e percebe-se logo uma estranheza que o primeiro instrumento a ecoar seja uma harpa! E é incrível como as mãos da galesa Claire Jones encontraram um conforto, no fado, que fazem acreditar que a harpa sempre existiu no fado. Os diálogos com a guitarra portuguesa de Custódio Castelo, fazem eriçar a pelagem das rochas graníticas. Quando a isso se junta a voz, é impossível ficarmos de olhos abertos. Não é, no entanto, apenas a harpa que traz um certo exotismo ao álbum. Aliás, a maior vertente inovadora do “Royal Fado” não está nos instrumentos, pois mais do que tudo são as abordagens em termos rítmicos e melódicos.
O primeiro tema é carta fora do baralho, escrito por Carlos Paião numa época posterior às restantes, mais vulgar em termos tradicionais do fado. A partir daí é começar a viagem. Música árabe, música tradicional portuguesa, clássica, flamenco, canto lírico ou tango são formas que se misturam simbioticamente nos fados de Yolanda. Há espaço até para um tema cantado em galês. São onze temas tão diferentes entre eles que o que poderia ser uma confusão musical e que pela entropia acústica seria desagradável, tem precisamente o efeito contrário: tudo faz sentido. É um deambular livre pela música enquanto paixão, enquanto matéria-prima, para criar um álbum que não cansa e que se torna imperativo ouvir como um todo.
“Royal Fado” inspirou-se na fase em que Amália Rodrigues quis inovar, com a enorme ajuda do compositor Alain Oulman, mas Amália foi incompreendida na altura e só mais tarde esse trabalho veio a ser reconhecido. Com Yolanda Soares esperemos que o mesmo não aconteça, porque merece um reconhecimento contemporâneo; para que a paixão de Yolanda seja a paixão de todos nós.
Carlos Norton in http://www.ofado.pt/?p=5008